Keynes ou Cruyff?

Luiz Guilherme Piva*

Técnicos de futebol podem ser comparados a economistas. Os dois profissionais lidam com realidades de difícil controle (sociedade, jogadores) e, tendo em mente concepções e planos de ação, buscam seus objetivos pondo para atuar os recursos de que dispõem. Na maioria das vezes dá errado, e eles sempre atribuem a culpa ao imprevisto e aos recursos disponíveis - nunca às concepções e aos planos de ação.

Às vezes chegam a crer que o problema é com a realidade, inadaptada à sofisticação e ao acerto do modelo adotado. E mais: diante de fracassos seguidos, eles acreditam que o problema é a impaciência do público, que não vê que no longo prazo tudo dará certo – embora um dos mais famosos economistas (Keynes) afirmasse que no longo prazo estaremos todos mortos.

Na prancheta do técnico ou na planilha do economista, coloca-se um boi na entrada de um modelo e saem bifes do outro lado. Os pressupostos do modelo são escolhidos casuisticamente por eles mesmos, com a ponderação e os riscos que arbitram para produzir exatamente o que pretendem. Tudo perfeito. Aí vem a realidade, com fatores e pesos não considerados, e atrapalha: oligopólios, retrancas, dribles, greves, banqueiros, juízes, morrinhos, tecnologias, trivelas, burocracias, geadas, traves, etc. Seria o caso de, como os russos, perguntar para o técnico: combinou com o Garrincha?

Não, é claro. Mas técnicos e economistas seguem acreditando com tanta fé no modelo que, frente ao fracasso, voltam à prancheta e à planilha, colocam na saída do seu modelo os bifes e vêem sair um boi inteiro, perfeito, lá na entrada. Eles então se convencem ainda mais do seu acerto. E tentam de novo, de novo, de novo. Morre gente no caminho. Times se acabam. Torcedores se enfurecem. O país se afunda. Mas, caramba, é preciso ter paciência!

Avançando na comparação, há um antigo paradoxo que acabei de inventar. É que economistas são considerados ortodoxos quando pretendem que o governo não intervenha em nada: se ele não agir e só der as regras gerais, tudo dará certo, apregoam. Produtores, distribuidores, consumidores, trabalhadores, desempregados e miseráveis encontrarão seu lugar e sua função da melhor forma, com a maximização de suas individualidades no livre jogo das forças de mercado, em prol do benefício de todos. Os técnicos classificados de ortodoxos, porém, são os que controlam todos os movimentos do time, coibindo o individualismo e o improviso, que resultariam, crêem, no caos e na derrocada. Por isso, desenham, cronometram, ensaiam, gritam, premiam e punem quem não seguir estritamente suas determinações táticas.

Já os heterodoxos, na economia, são os que querem planejamento, intervenção e gasto público para evitar o caos e a miséria. E, no futebol, ao contrário, heterodoxos são aqueles técnicos que não se apegam a modelos rígidos e propõem o jogo livre com base na individualidade e na criatividade dos jogadores, guiados apenas por suas diretrizes gerais – que eles preferem chamar de estratégia, em lugar de tática.

Ou seja, Cruyff, treinador heterodoxo, seria, transplantando-se seu ideário, um economista ortodoxo. Milton Friedman, economista ortodoxo, seria um técnico heterodoxo. Parreira e Keynes seriam os opostos daqueles, respectivamente.

Mas as coisas não são simples assim. Há aqui um outro paradoxo clássico, que montei agora só para fechar o texto. É que, se dividirmos em grupos de afinidade as pessoas que gostam simultaneamente de economia e de futebol, certamente haverá um grupo que gosta de Friedman e Parreira (ambos ortodoxos, mas com acepções opostas de ortodoxia) e outro grupo que gosta de Cruyff e Keynes (ambos heterodoxos, mas com acepções opostas de heterodoxias).

Façam o teste com vocês mesmos e com as pessoas que vocês conhecem. Estou convencido de que vão encontrar o resultado que modelei aí em cima. Se não encontrarem nas primeiras vezes, não desistam. Sigam testando. É preciso ter paciência, caramba!